O exército pioneiro de guerreiros
Um pouco depois de completar 16 anos de idade, quando já havia me tornado candidato ao serviço militar nas Forças de Defesa de Israel, eu e meus amigos fomos chamados para fazer parte de um Núcleo na unidade militar de Nahal. A comunicação foi feita pelo Tomer, que era nosso guia no movimento juvenil “Bnei Akiva”. Ele nos disse:
“Há um grupo de meninos e meninas de Tel Aviv do movimento juvenil de escoteiros religiosos que estão se organizando para se alistar como “núcleo” na unidade militar “Nahal”. O serviço militar é longo e difícil quando você ingressa nele sozinho e será muito melhor se o fizerem junto com pessoas que já conhecem e confiam. Venham comigo para Tel Aviv e eu farei a apresentação entre vocês. Eu os conheço e eles são ótimos, caras de super qualidade. O que vocês têm a perder?”
Naquela época eu ainda não havia me interessado pelo serviço militar, ao contrário de alguns amigos que estavam ativamente visando sua entrada para o exército. Eu era bastante indiferente e pretendia apenas deixar fluir o que iria acontecer. Não tinha conhecimento sobre o que era o Nahal e o tal núcleo, mas fiquei curioso em conhecer novas pessoas da cidade grande, já que não conhecia ninguém em Tel Aviv. Havia chance de conhecer novas garotas e, após anos de escola ascética e chata em um ambiente só para meninos, isto deve ter contribuído muito para minha decisão.
Certamente eu não imaginava que aquele encontro aleatório e sem compromisso mudaria o rumo da minha vida e que nele conheceria aqueles que seriam os meus melhores amigos.
E assim, em uma tarde qualquer, depois de receber a liberação dos estudos da Yeshiva, fomos para uma escola ao Norte de Tel Aviv, que à tarde servia como local de encontro para escoteiros religiosos.
Quando entramos no salão onde acontecia o encontro, o local já estava cheio e barulhento. Era uma típica movimentação de adolescentes felizes e despreocupados. Alguns tocavam violão e cantavam músicas populares. Grupinhos de fãs se formavam ao seu redor enquanto outros continuavam focados em suas conversas. Pelo que me lembro, havia cerca de 40 pessoas reunidas, e para minha grande alegria, aproximadamente a metade era de meninas. Quando nos apresentamos aos grupos, algumas meninas apertaram nossas mãos e tal atitude fez com que alguns corassem, pois no ambiente religioso e conservador em que crescemos em Bat Yam, o contato físico entre os sexos era raro, mesmo se tratando apenas de um aperto de mão.
Fiquei feliz ao descobrir que a atmosfera era leve e sociável. Durante as conversas, descobri que tínhamos muito em comum, pois eles também estudavam o Talmud misturado com estudos modernos assim como eu, mas ao contrário de mim, não estudavam em uma Yeshiva, e sim em uma escola moderada chamada “Zeitlin” em Tel Aviv. Uma descoberta surpreendente foi que as meninas assistiam às aulas talmúdicas em igualdade com os meninos, o que era algo impensável na escola em que eu estudava. Suas horas de estudo eram muito mais curtas que as nossas e, em geral, eles tinham uma vida social muito mais vibrante que a nossa.
Tomer, que era natural de Bat Yam e já tinha experiência como instrutor em Tel Aviv, olhou para nós com um olhar bem-humorado e provavelmente também curioso para saber como seria o encontro entre os “batyamenses” e as almas mais livres dos “tel-avivianos”. Ainda que se considerassem religiosos, seriam liberais em comparação a nós, com a disciplina sufocante e severa que conhecíamos.
Durante aquele encontro fui, pela primeira vez, exposto à ideia do Nahal.
Nahal – a criação de uma unidade militar e agrícola
Em 1948, imediatamente após David Ben-Gurion — o líder do assentamento judaico na Palestina – anunciar o estabelecimento do novo Estado de Israel, sete exércitos árabes lançaram ataques contra o país, a fim de destruí-lo, antes mesmo dele nascer. Em resposta, Ben-Gurion declarou leis de emergência e a obrigação de que todos os rapazes e moças com 17 anos de idade ou mais se alistassem no Exército.
Os chefes do movimento agrícola ao perceberem uma grande resposta ao apelo para o recrutamento, temiam que todos os jovens abandonassem as suas funções nos campos e se dispersassem pelas várias unidades do exército, levando à destruição da agricultura no país. Para evitar esta situação, eles propuseram a criação de uma unidade na qual o serviço militar seria integrado ao serviço agrícola e assim os interesses dos militares e da sociedade civil seriam preservados.
O nome dado a essa unidade era Juventude Guerreira Pioneira (na sigla: Nahal) em que movimentos e organizações juvenis juntos se mobilizaram e permaneceram como um grupo em todas as etapas do serviço. O apelido dado a esses grupos era o ”núcleo”. Cada um desses núcleos era “adotado” por um Kibutz e espalhados por todo o território de Israel. Eles se tornariam parte de sua força de trabalho por certos períodos, durante o serviço militar.
Como funcionava o Nahal
O serviço no Nahal era dividido em várias partes: o primeiro período era o militar; o segundo período era a missão nacional e havia um terceiro período militar destinado apenas aos homens, com missões de segurança nas fronteiras e operações especiais.
Os meninos se alistavam na Brigada Nahal que era considerada uma das quatro brigadas de elite da infantaria. As meninas também passavam por um treinamento militar só que um pouco mais curto. Em partes do serviço não militar, as meninas e os meninos se reuniam para trabalhar no kibutz e serem voluntários em ambientes educacionais.
Porém a parte mais especial do serviço Nahal que você não encontrava em nenhuma outra unidade do exército era o período chamado “Heachzut” (se pronuncia EARZUT) que fazia parte da missão nacional.
Um país pequeno em meio a uma longa fronteira: os desafios de proteger o Estado de Israel
O Estado de Israel teve um grande desafio: o país era muito pequeno, mas as suas fronteiras eram muito longas em relação ao seu tamanho, o que exigia a colocação de muitos soldados ao longo de uma extensa área em tediosas missões de segurança.
O problema é que a população israelense sempre foi muito pequena e o governo não tinha soldados disponíveis para essas missões. A tecnologia ainda não era avançada como hoje e não era possível confiar somente nela. Naquela época, para todas as missões precisava-se de pessoas.
Em 1948, por exemplo, apenas cerca de 600.000 cidadãos viviam no Estado de Israel. Destes, foram recrutados aproximadamente 115.000, que são cerca de 19 % da população, o que era uma porcentagem muito alta.
Foi então que o Ministério da Defesa de Israel teve a ideia de enviar os membros dos núcleos para ocupar pequenos postos avançados ao longo das fronteiras, onde não havia grande presença de soldados e localidades urbanas.
Nessa missão, por seis meses adicionais ao serviço militar, os membros dos núcleos ficaram juntos em um modelo de uma espécie de “mini-kibutz“. Dentro do posto, havia uma mistura de realidade militar expressa em uniformes e armas e na disciplina que o comandante do posto estabelecia. Entre todos os elementos militares, como postos de guarda, armamento e munições, encontravam-se hortas, onde eram cultivadas hortaliças que serviam para diversificar as refeições. Ao redor do posto havia campos cultivados por membros do núcleo, cuja produção era vendida aos comércios da região. Em alguns casos, havia até uma pequena fábrica local e, às vezes, o núcleo emprestava mão de obra para Kibutzim na região que precisavam de ajuda.
Do ponto de vista da segurança, o posto avançado também se mantinha fazendo guardas noturnas e patrulhas no seu território e fazia parte da força militar regional.
De julho de 1951 a julho de 1980, o Nahal estabeleceu 91 vilarejos, o maior deles foi povoado pelos civis posteriormente. Ao longo dos anos, Israel foi fortalecido e a necessidade de povoação pelo Nahal diminuiu. Israel hoje controla suas fronteiras principalmente através de tecnologias como: radares, sensores e câmeras de longo alcance desenvolvidos por ele mesmo e têm a melhor força aérea no Oriente Médio com capacidade de atingir todos os pontos do país em alguns minutos.
A brigada Nahal ainda é considerada uma das unidades de elite mais importantes de Israel, mas a sua relação com a agricultura quase não existe mais e hoje, o número de núcleos é o menor da história.
Nossa primeira experiência dentro do Núcleo
Começamos a nos reunir regularmente após o primeiro encontro bem-sucedido. Ao longo do tempo foram se formando fortes amizades e, ao mesmo tempo, existia uma rotatividade de pessoas que saíam do grupo para procurar uma direção diferente enquanto outras entravam. Eu, de qualquer forma, me adaptei muito bem desde o início e lá também conheci a moça que se tornou minha primeira namorada.
Cada núcleo precisava de um nome e o nosso chamava-se Eshel. Fomos destinados ao Kibutz Sdé Eliyahu, localizado no Vale Beit She’an, no Nordeste de Israel, próximo à fronteira com a Jordânia e a três horas de carro de Tel Aviv.
Nossos instrutores aproveitavam nossas reuniões para nos incutir a ideologia sionista e nos orientar sobre as tarefas que nos esperavam durante o serviço militar. De vez em quando fazíamos viagens para os diferentes cantos do país. Às vezes ficávamos em nosso Kibutz e em alguns finais de semana, cada membro do núcleo era adotado por uma família do Kibutz, isso fazia com que nos sentíssemos em casa.
A primeira missão e o serviço sem remuneração do Núcleo
Em agosto de 1988, após concluir o ensino médio , cerca de um mês antes do alistamento no exército, o núcleo foi reunido para sua primeira missão: Serviço sem remuneração. Durante esse mês ficamos em nosso kibutz. Cada um foi designado para um tipo de trabalho.
Alguns trabalhavam no refeitório e serviam refeições a centenas de pessoas diariamente, outros trabalhavam em jardins de infância e escolas como assistentes. Havia ainda aqueles que trabalhavam em um laboratório de pesticidas biológicos — um desempenho inovador que envolvia muita ciência e exigia total sigilo. O Kibutz tinha uma fábrica de especiarias e também grandes pisciculturas e estufas que eram mantidas pelos membros do núcleo em conjunto com o pessoal do Kibutz.
Eu fui designado para trabalhar nos campos de algodão, onde acordamos às 4h da manhã com a ideia adiantar o serviço por várias horas antes do sol nascer. O trabalho era duro e exigia grande esforço físico. Tínhamos que carregar tubos de irrigação de um lugar para outro e conectá-los aos hidrantes de água espalhados nos vastos campos.
Não posso dizer que aprendi muito sobre agricultura porque fiquei pouco tempo, mas aprendi sobre a dedicação e o compromisso que os pioneiros que fundaram aquele lugar deixaram como exemplo para nossa geração. A minha atração por tudo que é pioneiro e inovador pode ter evoluído dali, nos campos dourados e fumegantes do Vale de Beit She’an.
Por volta das 7h voltávamos ao Kibutz para tomar um típico café da manhã israelense: queijos, ovos, tahine, pão e legumes (em Israel os legumes são parte integral do café da manhã, mas frutas, por outro lado, nem tanto). E quando terminávamos já era hora de retornar ao trabalho até a hora do almoço, quando o sol escaldante se tornava insuportável e nos impedia de continuar trabalhando no campo. As tardes eram dedicadas a atividades sociais, voluntariado e também muitas horas de atividade em grupo, onde nos divertíamos muito.
O núcleo retornava ao Kibutz durante o serviço militar e a conexão com ele permanecia muitos anos depois. Alguns dos membros do núcleo se casavam com membros do Kibutz e continuam lá até hoje, cumprindo a visão dos chefes do movimento agrícola, com famílias exemplares e educando novas gerações de amor pelo país e da terra.
Muitas experiências ainda esperavam por mim no serviço militar, mas essa é uma outra história. Eu estava prestes a ter uma ideia do que acontece com as pessoas quando são empurradas a testar seus limites.
“Ao: Movimento para jovens pioneiros.
Estou recebendo sua carta datada de 10.08.48 sobre os núcleos de estabelecimento nascida em 1931. Sua tendência para manter os núcleos de assentamento está na base correta, e o Ministério da Defesa recebe de bom grado sua posição.
Obviamente, enquanto a guerra não terminar, as necessidades da guerra e da segurança terão prioridade. Será necessário enviar os núcleos a uma semana de férias antes de continuar seu treinamento em “Juventude Pioneira Guerreira” e manter todos os meios para manter os núcleos o máximo possível em condições de guerra.
– David Ben-Gurion”
Carta do primeiro ministro de Israel em resposta à solicitação do movimento agrícola.
Continue acompanhando a minha jornada como soldado e oficial do Exército de Israel na série Sinais de Rota.