Sinais de Rota: As histórias de um soldado israelense

Na foto: Um homem muito jovem cercado por seus amigos. No fundo, Tiulit.

 

Reconhece o moço sentado na pedra no centro da foto? Até eu tive dificuldades, afinal já se passaram cerca de 33 anos desde que essa foto foi tirada..

 

Durante uma busca aleatória no baú do meu computador – ou por seu nome mais familiar: fotos que esqueci que tinha salvo na nuvem – me peguei olhando por longos minutos a uma pasta inteira de fotos granuladas do meu serviço militar em Israel, que eu não via há muitos anos.

 

As imagens velhas me contaram uma história um pouco diferente da que eu lembrava. Em primeiro lugar, descobri que já fui muito jovem. Mas depois de me recuperar dessa realidade e ao aprofundar nas fotos percebi em retrospecto como o serviço militar, que comecei aos 18 anos, determinou em grande parte o curso da minha vida até agora. Embora eu não tenha escolhido uma carreira militar longa, os 5 anos que passei servindo o exército israelense como soldado e oficial me moldaram para ser quem eu sou hoje.

 

Contar as experiências de um militar é um pouco como tentar explicar como você se sentiu no maior show de rock em que você já esteve, só alguém que viveu o mesmo que você pode realmente entender. Mas espero que as fotos ajudem um pouco a transmitir alguns dos sentimentos que me acompanharam na época e as conclusões e insights que tive muitos anos depois.

 

Estamos no Deserto da Judéia, esperando anoitecer durante uma pausa de um grande exercício terrestre-aéreo em uma fase chamada “treinamento avançado”, onde pulamos de cenário em cenário por uma semana inteira, comendo comida enlatada, praticamente sem dormir e usando as pedras espalhadas como banheiro.

 

O porquê da cara triste eu não me lembro, mas se tivesse que adivinhar diria que estava muito cansado. A vida de um soldado de infantaria no exército israelense não é fácil. Você dorme pouco, trabalha muito, vive em condições difíceis no campo e está sob constante pressão de treinamentos e operações especiais e também rotineiras, para proteger as fronteiras. As férias são poucas e talvez seja até melhor porque o salário é tão pequeno que será suficiente para não muito mais do que algumas bebidas no bar no fim de semana. Apesar disso, éramos um grupo coeso de jovens idealistas e motivados a servir nosso país e cumprir a missão de manter sua segurança.

 

Na foto vemos o lendário helicóptero “Yassur” (Sikorsky CH-53) que pode transportar 33 soldados em cada partida. Este helicóptero é um cavalo de guerra que já participou de inúmeras missões durante muitos anos de combate e guerras. Infelizmente seu nome também é mencionado no pior acidente aéreo da história do IDF durante o qual, em 1997, dois helicópteros em missão operacional na fronteira libanesa colidiram no escuro e 73 pessoas morreram, entre soldados e tripulação.

 

O papel dos helicópteros de assalto é transportar a infantaria de um lugar para outro e colocá-los o mais perto possível do alvo que devem conquistar sem serem descobertos pelos defensores do mesmo. O restante do percurso, fazíamos caminhando. Ao longo dos anos, o exército passou a preferir helicópteros que têm sido muito eficazes em relação ao paraquedismo de aviões que, apesar do glamour que os acompanha, provaram ser menos eficientes e colocar os paraquedistas em perigo desnecessariamente.

 

Muitas pessoas devem pensar que é legal pegar uma carona em um grande helicóptero militar e é de fato uma experiência que poucas pessoas terão. Também pensamos assim no início, mas depois de alguns dias percebemos que também tem um lado menos encantador.

 

Viajar em um helicóptero requer muita preparação, burocracia como registro de nomes e logística. Várias vezes tivemos que esperar longos períodos deitados no chão, no calor ou no frio, sem poder fechar os olhos porque o helicóptero poderia chegar a qualquer momento. Quando ele finalmente aterrissa, fazendo um barulho ensurdecedor e um vento tremendo, você tinha alguns segundos para correr de cabeça baixa (e tomar muito cuidado para não chegar perto do rotor traseiro) carregando todo o equipamento pesado enquanto os comandantes o empurram para dentro. Seguíamos amontoados, um ao lado do outro nos bancos de plástico rígido instalados ao longo do helicóptero.

 

Dentro não há comissário de bordo esperando por nós e nenhum lanche é servido, mas tem um grupo de técnicos que cuidam da segurança do voo. Nosso comandante coloca fones e se comunica com os pilotos através de um interfone com microfone, recebendo orientações sobre a situação do voo e a nossa localização. A barriga do helicóptero é quente e iluminada com uma luz vermelha fraca que facilita a adaptação dos olhos às transições entre escuridão e luz. A maioria dos soldados começa a cochilar a partir do momento em que se senta, porque se há uma coisa que os soldados fazem na primeira oportunidade, é dormir. A vontade de dormir está na base dos desejos de todo soldado e, às vezes, ganha até dos pensamentos da namorada, da casa e da comida da mãe. Os soldados têm a capacidade de dormir em qualquer lugar e a qualquer hora. Na posição sentada é óbvio, mas também em pé e até mesmo andando, o que leva a muitas situações engraçadas, mas também a acidentes infelizes.

 

O voo médio levava de 10 a 15 minutos no máximo, pois Israel é um país pequeno e as distâncias das zonas de treinamento para um helicóptero são muito curtas. Isso significa que em pouco tempo pousaremos no meio do nada e mais uma vez seremos empurrados, mas agora, para fora da barriga quente do helicóptero em direção ao ar frio da noite. Uma breve deitada no chão até que o helicóptero vá embora e o silêncio volte ao normal e então, começamos a caminhada rumo à árdua tarefa de conquistar um novo destino. Esta é uma má notícia para aqueles que buscam um pouco de descanso da intensidade dos exercícios ininterruptos.

 

Algumas vezes, não havia helicópteros suficientes para transportar toda a tropa, então, alguns dos soldados eram enviados para o próximo destino em uma espécie de caminhão de transporte de soldados. O nome dele é Tiulit cujo significado literal em português é o passeador. Ele era capaz de viajar em terrenos difíceis. Também ganharia facilmente o título de veículo mais oscilante do mundo. Bastava um pedacinho de pedra no caminho para balançar o caminhão de um lado para o outro. Era também por isso que todos tínhamos que usar um capacete durante o deslocamento. Entre os soldados carinhosamente o apelidamos de Tiltulit o que traduzido para português seria: o chacoalhador.

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Tiulit, um passeador que chacoalha muito

Quase sempre, os soldados preferiam viajar de caminhão porque ele ía bem devagar, o que nos dava mais tempo de sono. Somente nas forças armadas você pode ver pessoas imersas em sono profundo com a boca aberta, mesmo quando suas cabeças estão balançando em todas as direções e encontram janelas e equipamentos que estão amontoados no corredor.

 

Dessa forma, em vez de voar de helicóptero e chegar ao próximo destino em poucos minutos, quem viajava via terra poderia dormir uma hora ou duas até a próxima parada e, quem sabe, talvez até chegar lá, o exercício já teria terminado e poderíamos todos voltar para dormir em casa.

 

Como soldado, você aprende a funcionar mesmo em situações de fadiga crítica, coletando minutos de sono aqui e ali, sempre que possível, mas quando a missão atinge seu estágio avançado, você esquece que está cansado, até que ela termine.

 

Essa lição me acompanhou durante toda a minha carreira. Nesta batalha que é a nossa vida profissional (e pessoal), você deve saber quando descansar para economizar suas forças e quando é o momento certo de botar todas as suas energias numa missão que você considera como importante, para vencer e atingir seus objetivos.

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A partir de hoje, você é meu convidado para conhecer um pouco mais sobre as histórias e curiosidades da minha trajetória, desde soldado israelense, até meu atual trabalho como CEO da Ôguen.

 

Acompanhe-me em um projeto especial que darei o nome de :“Sinais de rota”- uma viagem além das fronteiras, com todas as suas estações (e muitas paradas), desde a primeira vez que vesti um uniforme, até os dias atuais.

 


“A trilha é muito bonita – disse o menino.

O caminho é muito difícil – disse o moço.

A estrada é muito longa – disse o homem.

O velho, sentou-se para descansar à beira da estrada.”

Leah Goldberg – Poemas do Fim da Estrada