Será que você consegue adivinhar o peso que eu carrego nas minhas costas nessa foto?
Não tenho memória específica desta foto, só sei que estou nas “Colinas de Golã”, em abril do ano de 1989, porque está registrado no arquivo do computador. E, também , graças ao amplo espaço que aparece como pano de fundo do panorama da foto, que é típico daquela região tão especial.
Neste artigo, você vai conhecer o trabalho do Rádio-Operador: uma das funções mais difíceis e importantes do Pelotão de Infantaria do Exército Israelense.
Na ocasião do retrato acima, o comandante do meu pelotão era um oficial de 20 anos de idade, que ocupava a patente de Subtenente. Amir, meu chefe, liderava um grupo de cerca de 30 soldados que integravam uma Companhia composta por três pelotões, com um efetivo girando em torno de 100 soldados de combate. O Tzahal (Abreviatura das Forças de Defesa de Israel) é um exército popular cuja prestação de serviço é obrigatória para jovens de 18 anos de idade. Os homens cumprem três anos de engajamento e as mulheres servem por dois anos, podendo esse período ser estendido de acordo com o interesse de cada um e o número de vagas disponíveis. Os oficiais são formados a partir dos soldados que mais se destacam no desempenho das suas funções e daqueles mais motivados.
No exército israelense, ao contrário de muitos outros exércitos, o comandante do pelotão está sempre com seus subordinados na linha de frente, cara a cara com o inimigo. Nessas situações, ele precisa de um objeto fundamental para a transmissão de ordens, que é um equipamento-rádio confiável para se comunicar com seus superiores e outros pelotões próximos, a qualquer momento, enquanto conduz a batalha em seu setor. O Rádio-Operador — que é um dos combatentes do pelotão com conhecimento específico no manuseio do rádio – transporta o pesado aparelho, montado em um suporte especial para possibilitar seu uso de forma rápida, assim como para facilitar a mobilidade durante o deslocamento do soldado de infantaria. O Rádio-Operador sempre se desloca na área de combate próximo ao seu comandante, de forma que o equipamento fique sempre em condições de uso de forma eficiente e permanente.
Para a execução da função, o combatente deve estar em excelente forma física para acompanhar o ritmo do comandante — que é uma pessoa leve em termos de transporte de equipamentos, mas cheio de adrenalina pelas responsabilidades que tem e pelo calor da batalha. O papel do Rádio-Operador não se limita apenas às comunicações via rádio, pois desempenha outro papel importante no campo de batalha ao ser o “braço direito” do comandante (para emprego imediato) o qual, muitas vezes, o manda correr de um lado para o outro para transmitir mensagens oralmente aos soldados e sargentos, e retornar ao seu posto de forma rápida e segura. Alguns comandantes são mais atenciosos com seus Rádio-Operadores e os desaceleram nas partes difíceis, pois compreendem o fardo que é transportar um equipamento pesado durante uma ação, ou correm para a frente assumindo que o Rádio-Operador se junte a ele um pouco mais tarde. Outros são menos pacientes e continuam a dar comandos enquanto correm e o puxam pelo fone elástico que sempre está à mão do Rádio-Operador, que deve correr sem tropeçar e sem deixar o cabo esticar demais até o ponto de se partir, enquanto o aparelho “pula” nas suas costas a cada passo e o puxa para baixo.
Quando a ocasião exige que o comandante se deite ao solo para se proteger, o Rádio-Operador também precisa “pular” para o lado dele para não ficar exposto ao fogo dos franco-atiradores, mantendo-se sempre em condições de enviar mensagens para o resto das tropas. O trabalho se torna ainda mais árduo, a despeito do pesado equipamento e da tensão na área de combate sob o fogo do inimigo, pelo fato de que nas Colinas de Golan o chão é coberto de pedras de “Basalto” (de origem vulcânica e muito duras) e o encontro dos joelhos com elas é muito doloroso, mesmo com joelheiras. Assim, mesmo com a preocupação de não se tornar um alvo fácil, é fundamental que o Rádio-Operador repouse seu corpo nas pedras com cuidado, apesar do grande peso. Além de tudo, o aparelho não facilita o trabalho para o combatente pelo tamanho (volume), posição nas costas e peso, o que obriga o Rádio-Operador a se deitar de bruços: literalmente, ele “voa” para frente se jogando ao solo e leva a pancada do equipamento na sua cabeça. Se não fosse pelo capacete, esse movimento se tornaria muito doloroso.
Meu rádio era o MK 77 envolto em uma embalagem de metal duro feito para resistir às condições extremas do terreno e do clima. O rádio tinha dois mostradores analógicos que “clicavam” enquanto eu pulava de uma frequência para outra — e eu praticava muito (o chefe me deixava sentar para praticar, mas me advertia para não adormecer), até que aprendi a configurá-los enquanto caminhava, contando os cliques até acertar a frequência que eu procurava, sem tirar o aparelho das costas. Fazia parte do equipamento uma antena curta, que era flexível e leve, e eu sempre preferi usá-la, obviamente, mas tinha um alcance limitado. Então, em áreas onde era necessário um alcance de transmissão maior, a alternativa era a antena longa composta por várias vértebras que atingiam 271 cm de comprimento. A haste balançava como um chicote para frente e para trás, enquanto eu corria, e com isso dificultava muito meu equilíbrio. Ao me deitar no chão, ela não se “atrasava” em me seguir e batia várias vezes na minha cabeça. Quando não estava em uso, era dobrada e colocada dentro de um coldre lateral.
Em áreas construídas, era proibido andar com a antena aberta para não ser eletrocutado por linhas de alta tensão. Assim, eu levantava apenas parte da antena na altura que eu não ficasse exposto ao perigo das redes elétricas. Apenas para o leitor ter uma ideia, segue os pesos do equipamento:
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Peso MK 77 + portador = 10 kg
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Peso da antena curta = 150 g
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Peso da antena longa = 500 g
Meu comandante, que era meticuloso até nos mínimos detalhes, tinha outra exigência: ele queria ter um kit de pouso de helicóptero para balizar a descida (4 baterias e 4 lâmpadas e uma granada que jogava fumaça para sinalizar o vento aos pilotos), sempre disponível para uso e como ele não tinha a intenção de carregar um, eu já me adiantei com um “sim senhor”. E lá fui enfiar mais quatro baterias grandes de Lítio e quatro lâmpadas elétricas no fundo da bolsa que carregava. Lembro bem que minhas costas sentiram bem a diferença de 4kg extra de fardo.
As bandeiras verdes e vermelhas eram medidas de segurança muito importantes para exercícios realizados durante o dia e eram usadas para marcar nosso pelotão para outra unidade aliada que estaria fazendo a nossa cobertura, para que ela não nos tomasse como alvo, por engano, e atirasse em nossa direção. Assim, mais 200 gramas de peso foram somadas ao volume.
À noite, as bandeiras não poderiam ser vistas e com o propósito de marcar nossa posição, usávamos algo chamado conjunto de lâmpadas, que eram as três cúpulas brancas que ficavam presas no “case” do meu rádio e encadernadas com bandas de borracha e fios de metal enrolados. Peso = 500 gramas
O fuzil Galilee, que era de uso pessoal dos soldados de infantaria da época, de fabricação israelense, era um rifle pesado com um cano longo, mas irei comentar sobre ele em outra ocasião.
Os rádio-operadores receberam a versão curta do Galilee, chamada Glilón (Galilzinho), para compensar um pouco o peso que já carregavam nas costas e facilitar o movimento quando as mãos operavam o rádio. Peso = 3,2 kg.
Cada soldado, naquela época, portava um colete de combate com 7-9 cartuchos de munição e dois cantis de água de um litro, cada. Peso estimado = 6,5 kg
No total, estimo que eu carregava por volta de 25.050 kg, mas psicologicamente pareciam 65 kg. Para se ter uma ideia de valores, num cálculo simples, eu carregava cerca de 38,5% do meu peso corporal.
Ainda hoje, os soldados continuam carregando equipamentos pesados, mas ao longo dos anos o exército melhorou muito a sua atitude em relação à saúde dos seus combatentes. Métodos científicos foram adotados para medir a carga e reduzir os possíveis ferimentos ao máximo. Entre outras coisas, havia um limite para o número de passos que os soldados novatos podiam dar todos os dias até a construção de um condicionamento físico e psicológico adequados, sendo o peso do equipamento ajustado ao peso corporal de cada um para evitar fraturas por estresse e danos às articulações e ossos.
O confiável, porém ultrapassado, ‘MK 77”, foi gradualmente substituído pelo menor “MK 91”, que já dispunha de um display digital onde podíamos guardar na sua memória as frequências utilizadas, além do mais importante: era mais leve.
Hoje os rádios são ainda mais leves e menores, possibilitando aos comandantes carregarem consigo um deles sem problemas, mas o papel do rádio-operador ainda é necessário pois, apesar de ele não carregar mais o equipamento, a função é de confiança e ele continua levando acessórios de segurança e marcação, de modo que os rádio-operadores estejam sempre disponíveis para o comandante, mesmo que seja para o trabalho mais braçal, que seria correr dentro do pelotão para repassar comandos orais, sempre que a rede-rádio tiver que permanecer em silêncio, em razão de uma situação delicada.
Ao iniciar o desempenho da função de rádio-operador me senti orgulhoso por ter sido escolhido para uma missão tão importante e percebi, pela primeira vez, o que é responsabilidade real, e ali, a poucos centímetros do meu comandante enquanto o observava em ação, aprendi sobre liderança e capacidade de tomar decisões sob pressão. Percebi a importância de se transmitir mensagens de forma simples e clara e ganhei experiência ao passar os comandos para outros e ver como as pessoas agem e se comportam ao recebê-los.
Quais os comandos que fazem com que as pessoas se levantem com fogo nos olhos e os executem, e quais comandos provocam ressentimento e frustrações?
Os comandos mais eficazes são aqueles onde um soldado pode se identificar e entender a lógica por trás deles. Um soldado que recebe tais ordens, se levantará, mesmo em frente ao perigo, sem fazer perguntas, porque acredita na honestidade de seus comandantes e sabe que eles não o enviariam para correr riscos desnecessários. Afinal, tal soldado, que já concordou em arriscar sua vida ao se apresentar para o serviço, não precisa de muita persuasão: ele apenas tem que acreditar que o propósito pelo qual ele está arriscando sua vida não é em vão. O fato de que seus comandantes dão o exemplo pessoal e estão na vanguarda ajuda muito a construir essa confiança.
Quem se esconde atrás de ordens para justificar decisões irracionais corrói sua liderança. Ordens por trás das quais não há uma lógica clara, farão com que o melhor dos soldados se recuse ou pelo menos hesite em cumpri-las e, como consequência, terá um efeito devastador sobre o moral da unidade. Mesmo que as ordens no exército tenham força vinculante, quanto maior a quantidade de ordens ilógicas, menor o desempenho dos soldados no combate e maior a chance de fracasso na missão ou até mesmo gerar uma rebelião.
Apesar de ser relativamente aberto a críticas e outras opiniões, o exército israelense não é uma democracia: tem uma cadeia de comando clara, e o cumprimento das ordens legais não é discutível. Da mesma forma, não é uma ditadura. Como um exército popular, onde o recrutamento é obrigatório e o oficial se forma, a partir dos soldados, o soldado tem o direito de saber o que está acontecendo ao seu redor e expressar sua opinião, se achar que deve agir de forma diferente. Essa conduta faz parte da cultura israelense mais ampla, onde não se dá muita importância para a autoridade e classes sociais, e as pessoas se consideram iguais, até mesmo aos seus superiores.
Como soldado que cresce em tal cultura, temos o privilégio de receber instruções detalhadas sobre a missão e, no desempenho da função de comandante, deve ser o mais detalhado e transparente possível em relação às dificuldades que aguardam a unidade até chegar ao destino. Quanto mais informados os soldados são sobre o programa e mais envolvidos ficam, maior a probabilidade de eles funcionarem melhor na batalha, como também se voluntariarem para missões que não foram definidas para eles anteriormente.
Na vida empresarial o princípio é o mesmo: compartilhe o máximo possível de informação com as áreas da sua empresa, principalmente sobre seus objetivos e as dificuldades que você e toda a equipe estão passíveis. Se houver quem tenha medo do desafio, é hora dele “descer da carroça” e seguir seu destino. Quem continuar com você, no entanto, será o melhor parceiro que você pode esperar, pois terá alguém com quem contar nas horas mais difíceis e isso é o que move e alavanca as grandes empresas levando-as ao sucesso.
Eu trouxe esse aprendizado para a Ôguen como uma missão pois, tal qual aprendi no exército, somos um time em busca de resultados claros e com missões específicas.
“Ironicamente e até tragicamente, os militares dão um significado especial à cidadania israelense. Dá aos jovens israelenses um senso de maturidade e responsabilidade que não é comum no Ocidente. Ensina-os a trabalhar em equipe, enfrentar desafios e realizar o que parece impossível.” ~ Ari Shavit, no livro “My promised land: the triumph and tragedy of Israel”. Random House.